Criando Heroínas que se transformam

O Mito da Deusa Inana e a Jornada Feminina de Schmidt

Paulo Moreira
27 min readJul 8, 2022

Confira a versão em áudio: PARTE 1

Descendo aos Mundos dos Mortos

Inana vai ao funeral, mas veste-se como quem vai à guerra. Sua irmã, Ereshkigal, deusa do submundo, havia perdido o marido. Nenhum humano vivo, nenhum deus podia retornar de Kur, aquele reino cavernoso e amaldiçoado, a versão sombria do mundo terreno. Quem entrasse ficaria eternamente preso, comendo pó nas refeições e sendo atormentado pelos demônios. Mas Inana entraria, e voltaria, custe o que custar.

Deusa Inana.

Por isso veste-se como a deusa que é, a general dos céus e da terra. Protege-se com armadura, enfeita-se com joias. Cada peça de roupa, um poder divino. E pede a Nimcubura, sua fiel ministra:

“Se eu não voltar em três dias, ore para que meu avô, Enlil, não me deixe no submundo. Se ele ignorar, ore para meu pai, Nanna. E se meu pai também recusar, ore para que Enqui me ajude.”

As duas vão juntas até a entrada do submundo. Quando chegam, Inana se despede e bate forte no portão, gritando agressivamente para que Neti, porteiro chefe, o abra logo.

“Vim sozinha para o funeral do marido de minha irmã”, ela explica.

Mas Neti, desconfiado, a manda esperar e volta-se para sua rainha, Ereshkigal. Menciona as vestimentas estranhas de Inana, inadequadas para o funeral.

“Certamente ela não veio para me consolar”, concorda Ereshkigal. “Maldita irmã! Já tem os céus e a terra, agora veio para tomar o submundo! Ouça-me Neti. Tire um peça de roupa de Inana toda vez que ela passar por um dos sete portões de Ganzer. Caso ela pergunte a razão, diga que é um costume do mundo dos mortos, e como tal, deve ser seguido.”

Neti obedece e assim se faz. Toda vez que Inana atravessa um portão de Ganzer, o palácio de Ereshkigal, uma peça de roupa lhe é tirada por um anuna, um juiz do submundo. Ela pergunta por que estão fazendo isso, mas só lhe respondem que assim são as regras no mundo dos mortos.

Ao chegar ao trono da irmã sombria, Inana está nua e sem poder algum.

“Maldita!” julga Ereshkigal junto dos outros juízes do submundo. Seu olhar era o olhar da morte. “Veste-se de armadura para tomar meu reino no dia do funeral de meu amado ou veste-se de jóias para zombar da minha penúria?”

Ressentida, Ereshkigal mata Inana e pendura seu corpo em um poste.

Enquanto isso, na terra, a ministra Nicumbura rezava pela volta da deusa, indo de templo em templo, se martirizando, orando por proteção. Passados três dias e nada de Inana retornar, ela segue as recomendações e vai ao templo de Enlil.

“Grande Elil, senhor dos ventos e tempestades, separador da Terra dos Céus, não deixe que sua neta seja morta no submundo.”

Furioso, Enlil responde: “Minha neta já tomou os Céus e a Terra, por que foi tentar tomar o Submundo? Todos sabem que os poderes do submundo não podem ser tomados e que devem ser mantidos ali! Ninguém volta do Submundo. Inana merece seu destino sombrio!”

Desesperada, Nicumbura parte ao templo de Nana e repete o pedido:

“Grande Nana, senhor da lua em seu touro alado, não deixe que sua filha seja morta no submundo.”

“Minha filha merece o destino a ela reservado”, ele responde, também furioso. “Não é possível tirá-la de lá. Seus poderes agora pertencem ao submundo!”

Aflita, Nicumbura recorre à sua última opção. Em um novo templo, reza a Enqui:

“Grande Enqui, senhor da água do abismo, da criação e da sabedoria, não deixe que sua filha seja morta no submundo.”

“Pobre Inana, não sabe que do submundo ninguém pode retornar?”, ele responde, preocupado. “Mas ela não pode permanecer lá. O que seria da Terra e dos Céus sem Inana?”

Dito isso, tira a sujeira da unha de um dos seus dedos e com ela cria kur-jara, a quem dá a Planta da Vida. Da sujeira de outra unha, cria gala-tura, a quem dá a Água da Vida:

“Kur-jara e Gala-tura, viajem ao submundo. Passem pelas brechas de seus portões como moscas. Ultrapassem-nos como fantasmas. Encontrem Ereshkigal. Ela sofre tanto, como uma mulher dando à luz. Pedirá para que aliviem a dor, mas não aceitem nada em troca além do corpo de Inana. A Inana, vocês darão a Planta e a Água da Vida.”

Ouvindo isso, o kur-jara e o gala-tura vão ao submundo. Passam por seus portões despercebidos. Encontram Ereshkigal em sua cama, chorando de dor.

“Ai meu coração!”, ela grita.

“Issso é culpa, senhora”, respondem kur-jara e gala-tura, invisíveis.

“Ai meu fígado!”, ela grita.

“Isso é culpa, senhora”, respondem novamente kur-jara e gala-tura.

Enfim, Ereshkigal pergunta: “Quem são? Se são deuses, vou conversar com vocês; se são mortais, eu decretarei seu destino. Se sabem o que sinto, devem saber a cura. Digam-me!”

Ela lhes oferece a água do rio em troca, mas eles recusam. Ela lhes oferece um campo de trigo, mas eles recusam. Finalmente, kur-jara e gala-tura pedem em troca o corpo de Inana pendurado no poste.

“É o corpo da sua rainha?”, pergunta Ereshkigal, perpiscaz.

“Não importa se é nossa rainha ou a rainha de vocês. Dê-nos o corpo.”

Ela obedece. Kur-jara e gala-tura então aspergem o corpo com a Planta da Vida molhada a Água da Vida. Inana desperta e começa sua saída do submundo.

Ereshkigal pede que ela volte, mas Inana continua. Ao passar por cada portão, cada um do seu poder roubado é devolvido. Os anuna, os juízes do submundo, mandam os piores demônios persegui-la.

“Se vai sair do submundo, deixe alguém em seu lugar!”, ordenam os anuna.

Inana enfim consegue sair do submundo. Depara-se com sua fiel ministra, Nimcubura, que se lança a seus pés, suja de pó e com as roupas rasgadas pelas tribulações. Os demônios encurralam as duas.

“Se vai sair, deixe Nicumbura no seu lugar!”, insistem os juízes.

Mas, comovida com a fidelidade de Nicumbura, Inana não deixa que os demônios a levem. Em sua fuga, passam por Umma, onde está Cara, em luto pela deusa Inana.

“Se vai sair, deixe Cara no seu lugar!”, continuam os demônios.

Mas Inana os impele: “Cara é meu maquiador, meu cantor, é ele quem pinta minhas unhas. Não deixarei que o levem!”

Eles continuam em sua viagem. Ao passar por Bad-tibira, Lulal, sujo de pó cai diante dos pés de Inana em clamor.

“Se vai sair, deixe Lulal no seu lugar!”, voltam os demônios.

“Lulal é minha mão esquerda e minha mão direita. Me segue aonde vou. Como poderei deixar que o levem?”, retorque Inana.

Finalmente, eles partem para o planalto de Kulaba, onde Dumuzi, marido de Inana e deus da fertilidade, se diverte em seu trono com dançarinas e concubinas. Os demônios o prendem, e perguntam a Inana se podem levá-lo ao submundo.

Inana olha para o marido furiosa com o seu comportamento. Tem o olhar da morte.

“O que estão esperando? Levem-no!”

Amedrontado com os demônios do submundo, Dumuzi ora para Utu, deus-sol da justiça, que interceda. Utu então o transforma em serpente, e Dumuzi escapa dos demônios.

Agora desesperada, Inana procura pelo marido e não o encontra em lugar nenhum. Até que uma mosca aparece e lhe promete revelar a localização do deus em troca de algo.

“Está na taverna, no quarto das bebidas, a mosca revela.”

Inana leva os demônios consigo e encontra Gestinana no caminho, irmã de Dumuzi, que chora pelo destino dele. Quando todos se encontram, Inana decide:

“Meu marido não ficará o ano inteiro no submundo. Ficará metade do ano. Na outra metade, ficará no submundo sua piedosa irmã, Gestinana.”

Assim Inana conseguiu um substituto para o seu substituto.

Santa Ereshkigal, que seja doce o teu louvor.

Qual a história épica mais antiga que você conhece? A origem de Roma imortalizada na Eneida, de Virgílio? A Guerra de Tróia imortalizada na Ilíada, do grego Homero? A amizade quase impossível entre Gilgamesh e Enkidu, dos acadianos? Ou a Descida da Deusa Inana ao mundo dos mortos, dos sumérios?

Suspeito que não tenha pensado em Inana. E talvez eu tenha uma resposta para isso.

Mais antiga que Homero, mais antiga ainda que a Epopéia de Gilgamesh, a Descida de Inana ao mundo dos mortos foi escrita na Terceira Dinastia de Ur (2112–2004 a. C.). Deusa de origem suméria associada ao erotismo, à justiça e à guerra, Inana era considerada a Rainha do Céu e foi uma das divindades mais veneradas na antiga Mesopotâmia. Mais tarde recebeu o nome de Ishtar pelos acadianos, babilônios e assírios que dominaram a região.

Seu poder é tão grande, igualmente poderosa aos deuses masculinos predominantes do panteão, mas foi marginalizada pela cultura moderna em favor destes.

Inana influenciou deusas de outros panteões, como a Astarote dos fenícios, Afrodite dos gregos e Vênus dos romanos. Sua viagem ao submundo pode inclusive ter influenciado o mito grego das estações, no qual a deusa Perséfone (Proserpina para os romanos) é aprisionada a cada ano por Hades, seu marido, no mundo dos mortos, ocasionando assim o outono e o inverno, e em seguida trazida de volta por sua mãe, Deméter, deusa da agricultura, que agradecida devolve a primavera e o verão.

A Descida de Inana ao Mundo dos Mortos (que você pode conferir em inglês aqui) narra sua viagem sombria, quando morre e é ressuscitada por seus fiéis devotos. Após isso, Inana volta um pouco mais cruel, como se houvesse absorvido a maldade do submundo ou se influenciado pela ideia de justiça de sua irmã Ereshkigal. Por isso ela condena seu marido, Dumuzi (futuro Tamuz) a passar metade do ano no mundo dos mortos.

O mito pode simbolizar várias coisas. Pode falar de um rito religioso para ressuscitar Inana e trazer a fertilidade de volta ao mundo terreno, iniciado pela ministra Nicumbura e reproduzido por futuros sacerdotes. Pode falar da queda dos povos sumérios pelos acádios e outros povos da região, e consequentemente simboliza a morte do culto de Inana e seu renascimento na figura de Ishtar. De uma perpesctiva mais moderna, pode simbolizar as dificuldade das mulheres em receber apoio quando decidem trilhar seus próprios caminhos.

Esse é o problema de interpretar mitos. Você se depara com vários possíveis significados, por isso vamos focar em como o Mito de Inana pode ser e foi usado no storytelling.

Quando atingimos o nosso ponto mais baixo, estamos abertos à maior mudança

Mudança é a palavra-chave do Mito de Inana. Uma personagem, seja masculina ou feminina, enfrenta sozinha seus demônios e sai transformada. Se o submundo sumério é uma versão corrompida do mundo terreno, então os personagens que estão ali são versões corrompidas dos nossos personagens. Ereshkigal, irmã de Inana, seria a versão negativa da própria Inana, escondida nas profundezas de seu ser. Inana desce ao submundo apenas para descobrir ela mesma e aceitar seu lado negativo.

Essa descida ao mundo sombrio pode ser entendida como uma mescla de várias passagens da teoria do monomito de Campbell:

O ventre da baleia

Em alusão à história bíblica de Jonas, o profeta é engolido por um monstro marinho mandado por Deus, e sai de lá graças ao mesmo. É o ventre da baleia que possibilita a maior mudança do herói, quando através de sua escolha, passa de um estado fortemente negativo, sem esperanças de vitória, para um fortemente positivo, com esperança de superação, no caso de Jonas, obedecer a Deus. É a morte de Inana.

Jonas escapa da baleia.

Encontro com a Deusa

Quando uma ajuda externa (divina) dá ao herói os meios para a vitória. Em Inana, a Deusa é um deus: Enqui.

A mulher como tentação

Não necessariamente uma mulher, uma personagem tenta o herói a não seguir adiante com sua jornada. O herói deve reprimir o desejo. Em Inana, Ereshkigal pede para que a irmã ressuscitada permaneça no submundo, mas Inana segue adiante.

O resgate com auxílio externo

O herói recebe ajuda para voltar para o seu local de origem. Em Inana, a ajuda vem de vários personagens: Nicumbura, sua fiel ministra, Enqui, deus da sabedoria, Ereshkigal, que promete devolver seu corpo, e até mesmo os demônios, que deixam que ela troque com outra pessoa. No caso de Inana, a ajuda é mútua. Seus amigos a auxiliam, enquanto ela os protege.

Como O Rei Leão que reconta Hamlet, ou é influenciado por Hamlet, ou Matrix que reconta a Caverna de Platão, ou é influenciado por Platão, várias histórias atuais se baseiam em histórias antigas. Padrões se repetem, como os encontrados nos mitos por Campbell. Histórias ressoam. Não é diferente com Inana, quando a relação “morte-mudança” e “amigos-salvação” se reproduzem.

Em Coraline, o terror infantil escrito por Neil Gaiman, a personagem de mesmo nome se depara com uma versão assustadora de seu mundo, onde mora uma Outra Mãe que quer costurar botões nos olhos da filha. Quando Coraline não aceita a sua Outra Mãe, a criatura a prende atrás do espelho, um objeto simbólico do nosso autojulgamento (no espelho, nós nos conhecemos).

No escuro e sem esperanças de saída, Coraline começa a chorar, até que aparecem os fantasmas das outras crianças mortas pela Outra Mãe que vão ajudar a protagonista a sair daquele mundo. Como Coraline, a Outra Mãe gosta de desafios, e aceitará o novo desafio proposto pela garota.

Fantasmas em Coraline.

Harry Potter, o bruxo perseguido pela morte, também é ajudado por ela. Em A Pedra Filosofal, o Professor Quirrel força o garoto a olhar para o espelho Ojesed para encontrar a pedra filosofal. Seu reflexo revela que ela está em seu bolso. Professor Quirrel tenta roubá-la, mas a cicatriz de Harry o protege. Mais tarde, sabemos que a cicatriz foi feita por sua mãe para protegê-lo, como se ela mesmo depois de morta estivesse o protegendo.

Em O Cálice de Fogo, quando sem querer Harry enfrenta sozinho o vilão Voldemort, suas varinhas se conectam, indicando a semelhança das mesmas. No processo, as últimas pessoas que foram mortas pelo vilão reaparecem e ajudam a Harry a sair vivo do lugar.

No livro seguinte, A Ordem da Fênix, Harry descobre ainda mais o quanto se assemelha a Voldemort, como Inana e sua irmã Ereshkigal. Os dois são órfãos, compartilham os pensamentos, falam ofidioglossia.

Em As Relíquias da Morte explica-se suas semelhanças: Harry é a Horcrux que Voldemort nunca quis criar, uma parte do corpo de Voldemort. Harry descobre isso com as memórias do falecido Prof. Snape na Penseira (objeto que também remete a espelhos), quando seus pais, Dumbledore e Snape ressuscitam para contar-lhe a verdade.

O garoto então caminha para ser assassinado por Voldemort, como Inana enfrentando Ereshkigal, nua e impotente. Antes do embate, Harry usa a Pedra da Ressurreição e revê todos os entes falecidos, que lhe dão forças para continuar em frente. Os mortos estão sempre o ajudando, como se Harry tivesse que aceitar sua própria face sombria. Voldemort, que tem medo da morte e anseia pela imortalidade, acaba perdendo a batalha.

A relação morte-mudança também é bem vista nas séries animadas de Avatar. Em A Lenda de Aang, Aang viaja inocentemente ao Templo do Ar do Sul acreditando que reverá seus amigos dominadores de ar, como Inana acreditando que voltará do submundo ilesa.

No templo, Aang se depara com o cadáver de seu mestre Monge Gyatso, é forçado a encarar o genocídio de seu povo e morre simbolicamente, entrando no estado Avatar, seu estado sombrio em que perde o controle. A morte é o marco da sua mudança. A partir de então, Aang terá que deixar sua ingenuidade e infantilidade para concluir sua missão de Avatar.

Em A Lenda de Korra, duas mortes simbólicas são vistas. A primeira ocorre no último episódio do Livro 1, quando a Avatar Korra perde o dom da dominação. Nesse estado negativo, seu ancestral Aang, um morto, aparece para devolver a sua dominação bem como ensinar uma nova dominação, a dominação de energia, que será útil para curar os outros dominadores que perderam seu dom. Durante a aparição de Aang, ele resume a passagem de Inana pelo submundo em uma frase, descrevendo não só o que está acontecendo com Korra, mas prenunciando o fim da série com a resolução de Kuvira:

Quando atingimos o nosso ponto mais baixo, estamos abertos à maior mudança.

A segunda morte acontece no fim do Livro 3 e se estende para o livro 4. Ao enfrentar Amon, Korra é envenenada e fica paraplégica. Ela então fica afastada dos deveres de Avatar por três anos e entra em um estado depressivo, conversando apenas com sua amiga Asami.

Durante o Livro 4, Korra não consegue entrar no estado de Avatar por causa do veneno e dos traumas da luta contra Amon. Isso é mostrado simbolicamente com a sua versão sombria perseguindo-a a todo momento, fazendo-a fugir. Ser Avatar vira um fardo, mas Korra precisa aceitar esse fardo.

Ainda no Livro 4, a figura de Kuvira ganha destaque, funcionando como o Avatar durante a sua ausência. Kuvira é para Korra como Ereshkigal foi para Inana, a sua versão corrompida, que realiza o que Korra quer fazer, mas não faz. Korra chega a enfrentar Kuvira, mas perde.

No último episódio, suas semelhanças são confirmadas no confronto final, quando as duas são transportadas juntas para o mundo espiritual. Como nos outros exemplos, a figura simbólica do espelho reaparece. Korra visualiza a imagem de si mesma refletida no ar. A imagem se transforma em Kuvira. Assim, Korra compreende que a inimiga não é diferente dela, que também teve um fardo pesado demais a carregar, e tenta convencê-la a se render. Nessa cena, Kuvira está em seu estado mais negativo, sujeita à mudança. Com isso, ela se rende.

Korra vê seu reflexo com a forma de Kuvira.

Todos esses exemplos reproduzem o padrão de descer ao mundo dos mortos para se encontrar, mas nenhum deles é tão claro quanto o último sonho de Daenerys Targaryen no fim do livro A Guerra dos Tronos.

Pouco depois de sua tentativa frustrada em ressuscitar o marido, quando ela está em seu estado mais negativo, Daenerys sonha com seus mortos. Viserys a atormenta com sua costumeira frase: Não quer acordar o dragão, quer?. Ela sonha fazendo sexo com o marido. Sonha com seu filho. Fantasmas estranhos a dizem para se apressar, a ferem. No fim, ela sonha com o irmão Rhaegar. Todos esses personagens já mortos. E quando Daenerys levanta a viseira de Rhaegar, vê o próprio rosto ali dentro. O sonho simboliza o rito de sua mudança, os mortos a fazem reencontrar o seu ser. Logo em seguida ela se jogará nas chamas e ressuscitará, confirmando ainda mais sua mudança.

Você precisa da gente, Harry

Inana não ressuscita sozinha. Isso só ocorre graças à fidelidade de sua ministra Nicumbura, que vagueia de templo em templo tentando convencer os deuses a ressuscitarem-na. Nem todos são capazes disso, ou simplesmente querem que Inana seja punida por suas ações. Podemos perceber que o estado mais negativo da deusa não é só aquele em que ela está suscetível à maior mudança, mas aquele em que ela distingue quem são seus verdadeiros amigos.

Diferente da Jornada do Herói, na qual os personagens ficam unidos por um objetivo em comum, na Jornada da Deusa Inana, os personagens ficam unidos por meio de relações afetivas. Na Jornada do Herói, os personagens voltam às suas vidas individuais após conseguirem o objetivo. Na Jornada da Deusa Inana, os personagens vivem juntos até mesmo depois do fim da história. Enquanto a Jornada do Herói é sobre conseguir aliados, a Jornada da Deusa Inana é sobre ter amigos.

Esses amigos são aqueles que permanecem ao lado da Deusa até mesmo em seu momento mais sombrio, quando ela está impotente, despida, morta. São eles que ressuscitam a deusa de verdade, aceitando e até apoiando a mudança da deusa. Que a seguem contra todos. E não ressuscitam por necessidade, mas por devoção, afeto, preocupação.

Em Coraline, o gato preto presente desde o início da história está sempre do lado da garota, ajudando-a a enfrentar a Outra Mãe e a sair do Outro Mundo. Perto do fim, Coraline pede desculpas por tê-lo jogado no rosto da Outra Mãe e pergunta se continuam amigos. Mais tarde, quando a Mão da Outra Mãe persegue Coraline e é presa num poço, o gato reaparece para brincar com a garota, confirmando a amizade entre os dois.

Katara é amiga e futura parceira romântica de Aang que o salva do estado Avatar quase sempre. No Templo do Ar do Sul, é ela quem o abraça, arriscando ser jogada da montanha pela ventania gerada pelo Estado Avatar, e traz de volta a sua consciência. No episódio Encruzilhadas do Destino, quando Aang é atingido por um raio, é Katara quem o ressuscita com a água do Espírito da Lua.

Korra faz amizade com Bolin e Mako não porque precisa deles para algo, mas porque se sente bem com eles ao jogar o Torneio de Dominação. Quando enfrenta o gigante Unavaatu, é sua amiga Jinora quem intercede para a vitória. Ao perder para Amon, os monges do ar criam um tornado que mudam o ritmo da luta em prol da Avatar. E em seu momento mais sombrio, quando fica paraplégica, é Asami, sua amiga do peito e futura parceira romântica, quem a auxilia na recuperação.

E claro que Harry Potter não seria Harry Potter sem os amigos de Hogwarts. No primeiro livro, Hermione e Rony o ajudam a encontrar a Pedra Filosofal. Os mesmos partem com ele em busca das Horcruxes, mesmo que isso signifique abandonar a família. Em O Cálice de Fogo, Harry ajuda Cedrico a passar nas provas, e Cedrico consequentemente o ajuda. Em A Ordem da Fênix, a Armada de Dumbledore parte com Harry para enfrentar os comensais da morte no Ministério. Luna, especialmente, é quem disponibiliza os transportes. E é Hagrid, primeiro amigo de Hogwarts senão do mundo, quem carrega o corpo de Harry após o garoto ser morto em As Relíquias da Morte.

Harry e Rony abraçados com Hermione mais atrás, todos sorridentes.

Mas nem tudo é o poder da amizade salvando o mundo. Para a deusa, a amizade é um risco. Após sair do submundo, os demônios perseguem Inana. Não conseguindo alcançá-la, voltam-se aos amigos da deusa. Esses amigos estão indefesos, não têm o poder divino de Enqui, por isso só a deusa é capaz e deve protegê-los.

Para fugir da Outra Casa, Coraline precisou jogar o gato preto no rosto da Outra Mãe. Após sua saída daquele Mundo, a Mão decepada da Outra Mãe a persegue no mundo real, ameaçando machucar seus pais verdadeiros e todos os moradores do prédio.

Harry Potter sempre tenta impedir que seus amigos fiquem feridos, pedindo para que não os sigam. E obviamente quase nunca é ouvido. Harry perde o padrinho Sirius, o elfo Doby, Hermione é torturada, um dos gêmeos Weasley morre enquanto o outro perde a orelha. Todos em missão para proteger ou resgatar Harry.

Lembremos que a deusa não é a mesma deusa de antes. Ela viu seu lado negativo, enfrentou a irmã Ereshkigal e perdeu. Está ressentida. Se contaminou com o ideal de justiça da irmã. Por isso protege seus devotos em luto, mas pune o marido que se aproveitou da morte dela para festejar.

Ainda assim, Inana se arrepende de sua maldade, percebendo as consequências que a decisão traria ao mundo (representado pelo sofrimento de Gestinana), e retrocede um pouco, condenando o marido a passar apenas metade do ano no submundo.

A deusa pune, pois é necessário punir, mas tem piedade, pois ela sempre foi piedosa. A deusa antiga, positiva, pré-submundo, se completa com a deusa nova, negativa, pós-submundo. Após entender seu lado negativo, ela é capaz de entender o lado negativo dos outros.

Em Avatar, A Lenda de Aang, Aang enfrenta o Senhor do Fogo Ozai. O garoto parece perder no início, mas assim que restaura sua conexão com os avatares anteriores, veste a face de Inana/Ereshkigal. Aang não parece mais o garoto gentil de sempre, abraça a função de justiceiro que cabe ao Avatar. Esquece o lado piedoso dos monges do ar. Agora parece querer se vingar acima de tudo, punir Ozai por todos os crimes da Nação do Fogo.

Mas no fim, Aang demonstra piedade. Não mata Ozai, mas tira sua dominação, resolução que não conflita com seu lado monge (piedoso), nem com seu lado Avatar (justiceiro), mas os une.

Aang tira a dominação de Ozai.

Na Lenda de Korra, o padrão se repete com Kuvira. Como já dito, Korra reconhece o fardo de Kuvira, comum às duas, e é capaz de perdoá-la. Ainda assim, Kuvira deve ser punida pelos seus crimes ao mundo.

Resoluções são sempre difíceis de se trabalhar em storytelling. Pensar nos personagens acima de tudo alivia um pouco o peso. Alguns personagens talvez não consigam perdoar. Daenerys Targaryen não perdoa Mirri Maz Duur que se aproveitou da sua vulnerabilidade para matar o filho em seu ventre. A redenção talvez não caiba em certos antagonistas, especialmente em histórias maniqueístas. Coraline prende a Outra Mãe no Outro Mundo (e sua mão restante em um poço). E Harry Potter, embora diga que sente pena de Voldemort em A Ordem da Fênix, o mata no fim.

Se nós queimamos, você vai queimar com a gente

Se você chegou até aqui, já absorveu o essencial para criar uma história nos moldes de Inana, uma história sobre sombras e a descoberta de si mesmo. Pode parar pra respirar e botar as ideias no papel.

Mas, como fazer? Como transformar cada cena? Quando abordar cada dilema? Quais resultados apresentar? Em outras palavras, como estruturar?

Se você também se fez essas perguntas, provavelmente você tem um pouco de escritor arquiteto dentro de si, como eu. Tenho duas respostas para elas.

  1. Leia e assista obras com heroínas mulheres (preferencialmente escritas por mulheres).
  2. Estruture com a Jornada da Heroína de Victoria Schmidt, também conhecida como Jornada Feminina.

Em seu livro 45 Master Characters: Mythic Models for Creating Original Characters, Victoria Schmidt apresentou uma estrutura interessante (e muito útil) da Descida de Inana ao Mundo dos Mortos. Ela é parecida com a Jornada da Heroína de Maureen Murdock, mas diferente desta que é recheada de abstração, psicologia e conflitos internos, a Jornada Feminina foca em experiências. Explicando melhor, a gente as coisas acontecendo.

A Jornada Feminina de Schmidt

A Jornada se baseia na característica camaleônica das mulheres. Diferente dos homens que brigam por um conceito fixo de masculinidade (e como demonstrar isso aos 7 ventos), as mulheres trocam de cor devido aos papéis que a sociedade espera delas. No trabalho, precisam suprimir seu lado feminino. Em casa com os filhos, precisa ser maternal. Com o namorado, precisa ser submissa e frágil. Sozinha, precisa ser guerreira. A Jornada Feminina permite que a personagem passe por várias experiências, explore cada lado do seu ser, e no fim, os una, se complete.

Consiste em 9 etapas dividida em 3 Atos. Vamos analisá-las e exemplificá-las com Katniss Everdeen de Jogos Vorazes, Srta. Mina de Drácula e Madeline do jogo Celeste.

Ato 1: Confinamento

1. A ilusão de um mundo perfeito:

Lugar que impede a manifestação do herói. A protagonista sabe que algo está errado, mas aceita o erro por fornecer conforto ou segurança. Victoria propõe 5 estratégias de ilusões para a personagem desse mundo:

Ingênua/Inocente: nada de mal vai acontecer com ela.

Cinderela: os homens vão cuidar dela.

Excepcional: ela é do mundo dos garotos (garota masculina).

Simpática: ela vai fazer tudo certo.

Decepcionada: ela está deprimida, mas não pode fazer nada a respeito.

Katniss Everdeen é Decepcionada. Ela vive na dura realidade do Distrito 12 que, assim como os outros distritos, deve enviar um garoto e uma garota para os sangrentos Jogos Vorazes de Panem. É terrivel, mas Katniss ainda não pode fazer nada contra isso. Pelo menos, as mulheres do distrito podem cuidar das crianças enquanto os homens trabalham nas minas. O que importa é que sua família está segura.

Pôster do filme Jogos Vorazes.

Já Madeline de Celeste é Ingênua. Acredita que vai chegar no topo do Monte Celeste sem problemas (igual a Inana em sua viagem ao Mundo dos Mortos). Antes da escalada, uma velha a aconselha: o monte é muito hostil e Madeline precisará de ajuda. Mas ingênua como é, Madeline a ignora, subindo sozinha a montanha.

Por fim, Mina de Drácula cumpre o papel misto de Cinderela e Simpática. Trabalha como uma professora na escola e é noiva de Jonathan Harker e amiga de Lucy Westenra. Ajuda o futuro marido nos estudos e apenas sonha em viajar com ele em suas viagens.

2. A ilusão é quebrada

Também chamado de Evento Incitante, algo muito importante é tirado da heroína. Ela se depara com uma encruzilhada: permanecer passiva, ou seja, vítima, ou enfrentar seus medos.

Em Jogos Vorazes, Prim, a irmã mais nova de Katniss é escolhida para os Jogos Vorazes. Agora, Katniss deve decidir se deixa a irmã ser levada ou se voluntariar ao seu lugar. Ela escolhe a segunda opção, pois só assim Prim estará segura.

Em Celeste, o Evento Incitante ocorre quando Madeline se depara com um espelho em uma caverna. Seu reflexo ganha vida própria, se libertando do espelho, e a chama de irracional por querer subir a montanha. Madeline, por sua vez, chama o reflexo de fraca e preguiçosa. A discussão termina com o reflexo expulsando Madeline para fora da caverna. No fim, Madeline o ignora, passando a acreditar que tudo foi um sonho. Ela continua a subir a montanha.

E em Drácula, Mina acorda no meio da noite e vê a melhor amiga, Lucy, ser mordida pelo vampiro. Agora ela deve acreditar no mundo sobrenatural para proteger Lucy.

3. Despertar e preparo para a Jornada

Reação à quebra da ilusão. Se escolher ser passiva, poderá envergonhar os outros ou continuará perdendo algo. Se escolher ser ativa, abraçará a mudança e enfrentará os desafios da jornada, reafirmando os seus objetivos.

Após se voluntariar no lugar da irmã, Katniss vai de passiva à ativa. Não reluta contra o sistema, parece aceitar a sua morte nos jogos. Está depressiva. Mas depois ela demonstra-se mais ativa quando promete a Prim que vencerá os jogos para voltar para casa. O objetivo de Katniss é vencer.

Enquanto em Celeste, Madeline encontra Theo, um outro alpinista, com quem reafirma o desejo de alcançar o topo da montanha, embora confesse estar um pouco mais insegura e que, agora ela sabe, não vai ser tão fácil quanto pensava.

Em Drácula, ao voltar com o marido Jonathan para Londres, Mina vê novamente o vampiro. Ela se prepara para o sobrenatural registrando todos os acontecimentos e usando seu intelecto para prever os movimentos do inimigo. Quando o mentor Van Helsing chega, é Mina quem lhe passa todas as informações essenciais para que ele descubra a existência do Drácula e que Lucy se tornou uma vampira. Após descobrir que seus companheiros mataram Lucy, ela deve decidir se os trata como assassinos de sua melhor amiga ou como expurgadores da sua alma. Ao reafirmar a existência do sobrenatural, Mina escolhe a segunda opção.

Ato 2: Transformação

4. A Descida — Passando pelos portões do julgamento

A jornada começa de fato. Inimigos, aliados e desafios são apresentados. Como a Jornada Feminina fala de sentimentos, os obstáculos também são baseados em sentimentos conflitantes. A heroína pode experimentar medo, culpa, luto, vergonha. É a hora de mostrar suas habilidades e defeitos.

Facilmente visto em Celeste em cada localização. No Celestial Resort, é a compaixão pelo Sr. Oshiro que mantém Madeline trabalhando, e consequentemente afastada da viagem ao topo da montanha. Em Golden Ridge, Madeline deve enfrentar um ataque de pânico. Seu amigo Theo a ajuda a superar. E em Mirror Temple, ela enfrenta seu sentimento autodestrutivo, que põe seus amigos em risco.

Já Mina faz de tudo para ser útil na luta contra Drácula, embora isso signifique abrir mão da razão e da lógica. Toma os papéis de mãe do noivo da falecida Lucy, vira assistente de Seward, é esposa de Harker. Mas é de Van Helsing que ela recebe o maior apoio na jornada, que a considera como uma boa combinação de um cérebro de homem com um coração de mulher.

Enquanto Katniss Everdeen fica mais incerta da sua vitória. Todos os outros competidores dos Jogos Vorazes se preparavam para o torneio desde crianças, possuem habilidades e patrocinadores espetaculares. Katniss só tem seu arco e a experiência em caça. Nos Jogos, ela sofre desidratação e fome. Mas seus laços afetivos aparecem, levando-a à superação. A amizade com a pequena Rue lhe faz perceber quem é o verdadeiro inimigo. E o relacionamento com Peeta lhe traz patrocínio e a esperança de vitória.

5. No olho da tempestade

Algo bom acontece. É um momento de reflexão, de relaxamento. A heroína ganha segurança. No entanto essa forte sensação de segurança a faz se arriscar mais. De fato, o olho da tempestade é a preparação para o pior, sua morte.

Jogos Vorazes apresenta o olho da tempestade com a mudança nas regras do torneio. Devido ao relacionamento entre Katniss e Peeta, que atraiu vários fãs, agora dois jogadores podem se tornar vencedores. Katniss agora tem esperança de que eles ganhem, de que não precisem matar um ao outro.

Madeline acampa com o companheiro Theo. Os dois se abrem um para o outro. Ela fala sobre seu reflexo que a persegue na montanha. Com a conversa, Madeline se sente mais confiante de si mesma e decide se livrar de seu reflexo de uma vez por todas.

Mina é mordida por Drácula, e embora seja uma situação terrível, ela toma proveito disso. Salva pelos companheiros e impedida de completar sua transformação em vampira, Mina passa a saber e sentir tudo que Drácula está fazendo, compartilhando a mente como Voldemort e Harry Potter.

6. Morte — Tudo é perdido

A função do Olho da Tempestade é fazer a heroína se arriscar para cair nos braços do vilão. Essa queda ocorre na sexta etapa: a morte, quando a heroína perde absolutamente tudo. É quando Inana é morta por sua irmã Ereshkigal.

Ameaçado pelas conquistas da heroína, o vilão precisa fazer algo para contê-la. Ele sabe que ela está em conflito interno e se aproveita disso para reacender suas fraquezas, parti-la ao meio. Tudo que a heroína conquistou não lhe serve mais para nada.

É quando o Presidente Snow anuncia que não aceitará mais dois vencedores. Katniss e Peeta foram os únicos sobreviventes, e agora alguém precisa matar o outro.

Madeline enfrenta seu reflexo, a chama de louca, cruel e controladora. É a parte de Madeline que deve ser cortada fora. Mas o reflexo não aceita ser abandonado. Joga Madeline à base da montanha.

Enquanto Mina, que acreditava que se conectar com a mente de Drácula seria uma vantagem, passa a sofrer com a manipulação do mesmo. Ela perde sua capacidade de raciocínio, sua lógica. Com a possibilidade de acabar ferindo seus amigos, Mina pensa em se matar, mas é alertada por Van Helsing que isso só completaria sua transformação e condenaria sua alma ao inferno.

Ainda, o vampiro também vê o que ela e seus companheiros estão fazendo. Mina na verdade passa a ser uma peça no jogo do Drácula.

Pôster do jogo Celeste.

Ato 3: Emergência

7. Apoio

É importante que a heroína tenha feito amigos no Ato 2, pois são eles que garantem sua sobrevivência. São eles que vão ajudá-la a superar seu ponto mais negativo, a morte. Ela aprende a importância da união, da coletividade, reconhece suas falhas.

Katniss foi sempre ajudada por suas relações afetivas. O mentor Haymitch lhe fornece recursos para sobreviver na arena. A pequena Rue lhe fornece companheirismo num terreno de guerra e a percepção do verdadeiro inimigo. E Peeta lhe fornece amor em um mundo sem esperança. Quando confrontados com a morte, ele apoia a decisão de Katniss de se suicidarem, e assim não haver nenhum vencedor. É esa decisão e esse apoio que garantem a sobrevivência da heroína.

Em Drácula, cientes da transformação de Mina, seus companheiros decidem matar o vampiro de uma vez por todas, antes que ela complete a transformação. Eles levam Mina na viagem devido a seu intelecto. Usam hipnose para contê-la. Protegem-na das noivas de Drácula que a tentam a se transformar.

Já Madeline conversa mais uma vez com a velhinha do início da jornada. Dessa vez, escuta seus conselhos de que não devia enfrentar o reflexo, mas procurar entender por que ele tem tanto medo. Com isso, Madeline conversa com ele. O reflexo admite derrota e promete sumir para sempre, mas Madeline propõe que trabalhem juntos para alcançarem o topo da montanha. Embora recusando no início, o reflexo aceita a proposta.

8. Renascimento — O Momento da Verdade

Momento mais interno da heroína quando ela aceita a transformação. Não é mais a heróina do início da história, nem a do meio. É um misto de tudo. Não tem medo de morrer, pois percebe que já estava morta em seu mundo ilusório. Sabe que não pode voltar ao que já foi, e não quer voltar. Tem que seguir adiante.

Em Jogos Vorazes, Katniss deixa de lado a luta pela sobrevivência que a caracterizava no mundo ilusório e no mundo da aventura. Ela sabe que não conseguirá matar Peeta. Ele nunca foi um inimigo. O verdadeiro inimigo é a Capital. O ato de se matarem será uma afronta a ela, a suas regras. E desencadeará rebeliões lá fora. Katniss renasce ao abraçar a morte de quem tanto fugiu, da mesma forma que Harry enfrenta Voldemort em As Relíquias da Morte. Devido a comoção do público e o medo da revolta, a Capital revoga suas regras antes de Peeta e Katniss concluírem o ato. Os dois sobrevivem e se tornam vencedores.

Em Celeste, Madeline também não é mais a mesma. Ela e seu reflexo trabalham juntas para escalar a montanha e percebem que tudo ficou mais fácil. Colaboram, cada uma com suas habilidades. A escalada fica divertida. Alcançam o topo e encontram o que as duas procuravam: felicidade.

Na viagem para o refúgio de Drácula, Mina usa novamente o intelecto para encontrá-lo. Sua transformação avança. Mas após Van Helsing matar as noivas de Drácula, o estado letárgico de Mina diminui. Enfim, quando o vampiro é morto, a cicatriz na testa da moça desaparece, confirmando o renascimento de Mina como humana.

Mina Harker e Drácula.

9. Retorno ao mundo perfeito

Depois de sua transformação, a heroína retorna ao mundo perfeito para ver até onde ela foi. Está pronta para compartilhar suas experiências com os outros. No entanto, ao retornar para casa, ela corre o risco de voltar aos velhos hábitos. A sociedade não muda só porque a heroína mudou.

Katniss volta para o Distrito 12. Por participar dos Jogos Vorazes, sua maneira de ver o mundo não é mais a mesma. Ela influenciou pessoas. A irmã Prim quer ser enfermeira para ajudar os rebeldes.

O desejo de sobrevivência não a deixou completamente, por isso ela fará de tudo para proteger sua família, mas agora do verdadeiro inimigo: o presidente Snow. Ela sabe que a melhor maneira de protegê-la é enfrentando-o.

Em Celeste, Madeline e seu reflexo retornam para casa após alcançarem juntas o topo da montanha. O reflexo desaparece, mas existe dentro de Madeline, é uma parte dela que não vai mais ser reprimida. Madeline se encontra com os companheiros da jornada e eles celebram comendo juntos.

A vida de Mina volta ao normal depois da morte de Drácula. Ela sempre foi mãe dos que estavam ao seu redor, fornecendo recursos e raciocínio, e agora se torna uma verdadeira mãe ao ter um filho com Harker. Van Helsing aponta a influência maravilhosa que a mãe terá no filho, chamando-a de uma mulher galante e brava”.

Para fazer esse texto, precisei das seguintes fontes:

Versão traduzida para o inglês da Descida de Inana ao Mundo dos Mortos. A versão que apresentei no texto foi uma versão mais literária elaborada por mim. A original é bem confusa, com partes faltando.

Os ritos da Jornada de Daenerys Targaryen que me mostraram a relação de seus sonhos com a Deusa Inana.

Site sobre a Jornada da Heroína.

As análises de Coraline, Harry Potter e Avatar são minhas, mas as de Jogos Vorazes, Celeste e Drácula são de outros autores. Seu trabalho (em inglês) pode ser visto no seguintes links:

Katniss Everdeen

Madeline

Mina Harker

Se você quer descobrir mais sobre mitos e sua relação com a ficção, confira:

Gaia: Coopere e (sobre)viva: Falando sobre o lado catastrófico da natureza

Arquétipos da Natureza: Padrões e Figuras comuns em Mitos ecológicos

--

--

Paulo Moreira

Brazilian pharmacist in loved with History, Fantasy and Ecofiction. Author of The Blood of the Goddess. I write about nature in poems and fantasy stories.