Um velho de cabelos e barba branca toca um violão laranja sentado no chão e com a cabeça baixa. Está vestido de preto, em trajes de mendigo. A cor predominante em todo o quadro é azul, até mesmo em sua pele.
Velho guitarrista cego, Pablo Picasso (1903–1904)

Serenata aos Mortos

Paulo Moreira

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Lembra do Seu Antônio lá de Serra Redonda?
Aquele que se sentava embaixo dos pé-de-figo,
Naqueles banco de madeira escura do cemitério,
E tocava violão?

Lembra dele, não lembra, compadre?
Pois é.
Seu Antônio tava todo enfeitado naquele dia.
Galante.
Camisa amarela, sapato lustroso.
Lenço vermelho no bolso da camisa.
O queixo azul.
A comadre Vera Lúcia tinha rapado aquela barbona feia dele.
Ele deixou. Naquele dia.
Pobre comadre Vera.

Seu Antônio tava lá no cemitério,
Na sombra do pé-de-figo,
Violão no colo,
Cigarro no lábio,
Água no olho.

Perguntei por que tava tão elegante:
“Tá fazendo serenata pros defunto, Seu Antônio?”
E ele me sorriu com o cigarro entre os dente:
“Tô arrumado que vou viajar
Pros braços da morena,
Que amor de São João não se apaga não!”
E tocou o violão,
Água no olho.
Pobre comadre Vera, tão devota…

Pois é, meu compadre, Seu Antônio viajou sexta passada.
Não volta mais.
Partiu com água no olho. Cigarro na boca.

O violão, Comadre Vera deixou lá no banco de madeira, na sombra do pé-de-figo, no banco do Seu Antônio.
Ninguém bota no colo.
Ninguém toca.
Tá um silêncio só.
Um silêncio que dói que só.

Serenata aos Mortos, por Paulo Moreira.

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Paulo Moreira

Brazilian pharmacist in loved with History, Fantasy and Ecofiction. Author of The Blood of the Goddess. I write about nature in poems and fantasy stories.