Princesa Mononoke montada no lobo branco na floresta cheia de espíritos.
Princesa Mononoke.

O Verde vai tomar conta

O Sol como Vida

Paulo Moreira
5 min readFeb 11, 2023

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Rá, Amaterasu, Hélio, Shamash, Inti, Sól, a humanidade está cheia de divindades que simbolizam a luz vivificadora sobre nossas cabeças. Sendo o próprio sol ou o carregando em barcos e carruagens, os deuses solares tiveram um papel importante na história humana: a possibilidade de agricultura e, consequentemente, do sedentarismo.

Sem eles, não haveria milho, trigo, cana, mandioca. Sem agricultura, as pessoas não se reuniriam para construir grandes edifícios, não haveria pirâmides no Egito, nem no México.

Sem sol, o mundo não teria verde.

Se você tem um deus solar em sua história, o que acha de abordar o verde? Não que o sol não possa ser causticante, que sua história não possa se passar no deserto. Ela pode. Mas limitar o sol a apenas calor diminui o potencial enorme que o sol realmente tem.

Dizem que água é vida.

E esquecem que sol também é.

O solarpunk é mestre em usar o sol e seu otimismo, mas é científico demais com suas fontes renováveis de energia — afinal, é um punk. Minha imaginação é mais onírica, menos racional. Desejo a fantasia. Desejo um solarfantasy, mas o que seria o meu solarfantasy?

Imagino como seria o mundo se as criaturas vivas se adaptassem para aproveitar essa luz ao máximo. As plantas teriam folhas maiores, ramos que procurariam o alto como os da fava ou do maracujá, flores heliotrópicas como os girassóis. Florestas inteiras moveriam seus galhos com o movimento do sol. Talvez alguns animais tivessem características mais vegetais para se camuflar. Talvez mudassem de cor. Lesmas produziriam clorofila. Alguns sapos até pareceriam com o bulbassauro.

E coitado dos fungos. Esses se desenvolveriam apenas na escuridão. Não teriam espaço mundo afora.

Moinhos de vento em Nausicaä do Vale do Vento.
Moinhos em Nausicaä do Vale do Vento.

Talvez a produção de alimentos aumentasse com uma incidência maior de luz solar. Sol também é essencial para a produção de metabólitos medicinais nas plantas. E também estimula a pigmentação de nossos olhos e de nossa pele. Teríamos mais sardas? Todos teríamos pele preta? O padrão europeu loiro-ruivo-branco-olhos azuis seria finalmente rompido?

Por outro lado, a incidência de doenças de pele aumentaria. Nossa pele envelheceria mais rápido. Teríamos mais rugas. Teríamos mais velhos na aparência. Precisaríamos de vestimentas adequadas para nos proteger.

Com mais alimento e plantas medicinais, as populações certamente abandonariam o nomadismo e precisariam gastar o tempo livre com alguma coisa, quem sabe cultivar um jardim, tomar um banho de floresta, pintar seus quadros com azul, verde e branco, ir ao templo deixar oferenda ao deus solar em gratidão pela fartura.

Ou aos deuses. Talvez o sol vermelho do pôr do sol não seja simbolizado pelo mesmo deus do sol branco do meio-dia. Rá só é Rá quando no meio-dia. É Khepri na manhã e Atum no entardecer. E não precisa ser necessariamente uma divindade masculina. Amaterasu e Sól são femininas.

Amaterasu emergindo de uma caverna.
Deusa japonesa Amaterasu.

Não seria um culto privado. Seria coletivo. Uma divindade que trouxesse tantos benefícios a tanta gente deveria ser adorada por todos. Teria um dia especial para a união de tanta gente, um festival coletivo no solstício de inverno, em um grande templo ou ao ar livre pra caber todos. Embora a própria divindade não curta ficar no meio de tanta gente, preferindo entregar-se a seu trabalho lá de cima, sozinho e distante.

Para Victoria Schmidt, Apolo é um homem de negócios, que faz tudo pelo seu trabalho e tem dificuldade com relacionamentos. Mas por ver tudo, é racional, a melhor pessoa para julgar os mortais, como Utu/Shamash. Utu/Shamash sempre viaja ao mundo dos mortos durante a noite, por isso, e por ser Sol e portanto vida, pode ser invocado em rituais de exorcismo para expulsar maus fantasmas. Os mortos temem a vida.

Já temos algumas características do nosso deus para trabalhar, e quem sabe também de sua igreja e seus seguidores.

Pensar em religião me faz pensar em magia, porque afinal estamos querendo uma história de fantasia. Podemos nos inspirar na ciência do solarpunk. Se lá a ciência é renovável, aqui a magia também pode ser. O sol está no alto para catalisar nossos poderes de luz, calor ou até mesmo reações alquímicas. Estimular crescimento vegetal, produzir hormônios, mudar os ventos, aquecer águas, cozinhar.

Pai sentado no trono com um pequeno sol na mão.
O Pai em Fullmetal Alchemist Brotherhood criando um sol.

Sua luz pode ser capturada por cristais especiais que serão usados na iluminação à noite. Teremos corredores iluminados pelos cristais, ou melhor, plantas luminosas, quem sabe lagartos luminosos?

E o que faríamos à noite, quando não tivéssemos a magia solar? Usaríamos a luz da lua, embora fraca. Ou mesmo os cristais luminosos, como uma bateria reserva para nossos feitiços.

Criaturas que precisam da luz solar para sobreviver poderiam ser atraídas à noite por essas luzes, como mariposas. Invadiriam as cidades, assaltariam os armazéns dos magos, deitariam sobre uma montanha de cristais como Smaug no ouro dos anãos.

Truques de luz também poderiam ser utilizados. Reflexos, hologramas, lasers. Se o sol ilumina todos, a magia também estaria disponível a todos. Uma diversidade na magia seria seguida por uma diversidade de tipos de magos. Uma classe poderia se aperfeiçoar em uma área específica.

Atrair vento e aquecer água seria interessante para barqueiros. Crescer vegetais, para os agricultores. Lampejos para quem precisasse se comunicar à distância, como militares. Hormônios, para curandeiros.

Gavião em seu barco à vela em Terramar.
Gavião em seu barco à vela em Terramar.

Mas e se um eclipse eterno acontecesse, se o lobo Skoll finalmente matasse a bela Sól, o que seria desse mundo tão dependente dela?

Ou se, em vez de diminuir, sua força aumentasse? O que seria desse mundo com excesso de sol?

Mais verde, certamente. Mas não tão bonito.

Esses meus travessos “ses” talvez rendam uma boa história, ou ao menos, uma história que precisa ser contada.

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Paulo Moreira

Brazilian pharmacist in loved with History, Fantasy and Ecofiction. Author of The Blood of the Goddess. I write about nature in poems and fantasy stories.