Uma boia salva-vidas de cor laranja pendurada em uma parede branca.
Uma boia salva-vidas de cor laranja pendurada em uma parede branca. Photo by Matthew Waring on Unsplash

Como Escrever Personagens Secundários Memoráveis

Paulo Moreira
Escritos Fantásticos
7 min readFeb 18, 2021

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Personagens secundários são aqueles que o leitor não acompanha a sua vida ao longo do livro. Eles aparecem aqui e acolá, uns com certa frequência, outros raramente, se relacionando de diversas formas com o protagonista.

Enquanto o protagonista faz o leitor seguir adiante na aventura página após página, são os personagens secundários que tornam essa aventura mais autêntica, mais real, afinal, o mundo não é feito apenas de uma pessoa. Eles são um pedaço do mundo que habitam, então, não é exagero dizer que devem ser trabalhados com o mesmo cuidado que o seu worldbuilding.

Imagine se o castelo sombrio de Hogwarts, cheio de fantasmas e monstros, remeteria mesmo a amizade e família sem as relações trabalhadas entre alunos, professores e parentes. Ou se o conto de fadas infantil de Shrek seria tão engraçado sem os vários personagens secundários em situações cômicas. Ou ainda se o cenário de A Guerra dos Tronos seria tão perigoso se não houvesse os incontáveis personagens secundários se matando e matando protagonistas pra te fazer lembrar que você não devia ter se esquecido deles.

Então, se você pretende dar mais profundidade à sua história, não os faça esquecíveis, ou melhor dizendo, descartáveis. Sem mais delongas, o que o personagem secundário precisa ter pra não se perder na história?

3 regras básicas para personagens secundários

  1. Eles precisam impulsionar a trama para frente ou para trás
  2. Revelar informações ou fornecer mais informações sobre os personagens principais
  3. Ou definir o tom de uma cena

Esse é um resumo básico para tirá-los do esquecimento. Como exemplo da primeira regra, temos o assassino do Tio Ben que faz com que o Peter Paker se torne o Homem-Aranha, e o dentista que sempre atrapalha a fuga do peixinho Nemo; da segunda, o contador de histórias que menciona a palavra Chandriano em O Nome do Vento — informação que o Kvothe demoraria demais pra conseguir sozinho, e o Robin Hood de Shrek que atrapalha o avanço do ogro pra mostrar que a princesa indefesa Fiona não é tão indefesa assim; e da terceira regra, os gêmeos Weasley de Harry Potter que, na grande maioria das vezes, trazem o tom cômico para as cenas.

Agora, vamos nos estender um pouco mais sobre o tema. Que tal nos debruçarmos no como fazer, em vez de no que precisam fazer. Em outras palavras, como dar profundidade a personagens secundários sem que eles acabem ficando melhores que o protagonista?

Trabalhe sua backstory

Chega de personagens 100% bons, ou 100% maus. Todo ser humano é uma mistura dos dois lados. Quase sempre uma pessoa ruim não é inteiramente má, mas acredita que está fazendo algo bom. O mesmo deve acontecer com seus personagens secundários. Não precisa detalhar sua personalidade, mas apenas refletir sobre o que o motiva e o que ele nunca faria.

Se você é mais metódico, crie uma lista de 3 virtudes e 3 pontos negativos, que podem se refletir nas características físicas deles. Mas leve em consideração o ponto de vista de sua história para saber o que você deve mostrar ou não. Assim, você descobrirá quais ações se encaixam mais em cada personagem.

Não dê detalhes demais

Personagens secundários são apenas isso, secundários. São usados para o desenvolvimento de seu protagonista, e não tomar o lugar dele. Se o secundário adiciona algo ao andamento de sua história, use-o. Se distrai e leva pra uma nova, corte-o ou obrigue-o a seguir o caminho correto. Já pensou se a pequena Mei Chang de Fullmetal Alchemist de repente levasse o Alphonse à longínqua terra de Xing só para ensinar Alkahestria?

Não crie personagens secundários demais

A menos que você queira realmente um trabalho extra, e a menos que a complexidade seja importante para o estilo da história como em As Crônicas de Gelo e Fogo, muitos personagens dificultam o desenvolvimento do protagonista e a imaginação do leitor. Pense em seu público, ele não precisa ficar consultando o glossário de personagens a todo momento.

Use apenas personagens secundários que farão a história de seu protagonista progredir (ou regredir). Secundários com características semelhantes podem ser resumidos em apenas um personagem, fortalecendo e adicionando uma dimensão maior a ele.

Veja Xenofílio Lovegood em Harry Potter. Ele é tanto editor da revista Pasquim quanto Caçador de Bufadores de Cifre Enrugado, além de ter perdido a esposa, ser pai da Luna e vestir roupas extravagantes. São cinco características que poderiam gerar cinco personagens secundários diferentes, mas foram simplificados em um.

Dê um nome de destaque ou uma característica

Nada de nomes comuns como Maria, José ou João. Nomes criativos como Dobby, Zangado e Cevado Carrapicho ajudam a memorizar quem são os personagens secundários. Você pode utilizar nomes étnicos como Sasha, Sakura ou Hoffman se o lugar de origem deles for importante.

Dê um motivo para ele estar ali

Nenhum personagem secundário acompanhará o herói se não tiver motivos para isso. Pode ser por recompensa, por amor, por desejo de vingança.

Alguns não precisam ser descritos

Você não precisa descrevê-lo se o que importa é o que ele faz. Se a sua função é só entregar uma carta secreta ao protagonista, não precisa dizer se é gordo ou magro. Se ele só dirige o táxi, só é preciso dizer que é o motorista. Quando se está numa multidão, ninguém fica olhando as características físicas de todo mundo que passa e refletindo sobre o que estão pensando.

Use-os para desenvolver seu protagonista

Personagens secundários são ótimos para ajudar ou dificultar o desenvolvimento do protagonista. Podem ser usados para mostrar algum evento chave sem que você tenha que ativar o modo narrador ou levar o protagonista até lá.

Além disso, dão mais peso às ações do protagonista. Se o secundário não quer entrar na caverna com medo do dragão e o protagonista entra para resgatar a princesa, é porque o protagonista é realmente um herói. Ou se o protagonista se deixa influenciar pelo medo do secundário, é porque ele ainda não está preparado para tanto.

É aqui que entram os coadjuvantes, personagens secundários que influenciam o protagonista e também são afetados pela história. Nesse caso, não é só o que são ou o que e como você os mostra que deve ser pensado, mas também como é o relacionamento protagonista-coadjuvante. Em outras palavras, como eles se influenciam, como eles interagem, como eles vão percorrendo a história.

Para desenvolver esse relacionamento, você pode usar as 4 dicas a seguir:

1. Equilibre características

Um protagonista arrogante precisa de alguém que o impeça de sair batendo em todo mundo, pode ser uma mãe ou colega de trabalho. Veja o nervoso Eren de Attack on Titan com os amigos Armin e Mikasa o impedindo de brigar. Um detetive amador precisa de alguém com informações privilegiadas — um policial ou repórter, afinal, ele é inexperiente ainda. O que seria do Hercule Poirot no caso do Assassinato de Roger Ackroyd sem as informações (fofocas) de Caroline Sheppard?

As características carinhosas de um personagem duro podem ser mostradas através de uma esposa grávida. Fazer uso de contraste põe as características do protagonista em evidência. A ingenuidade de Watson é que faz Sherlock parecer mais inteligente.

2. Atormente seu herói

Todo protagonista precisa de seu adversário. Ele não é o vilão, mas alguém que põe obstáculos no caminho do herói. Uma mãe superprotetora que impede o filho de se alistar no exército (Attack on Titan, de novo), ou apostadores machistas que não acreditam que uma mulher pode transformar um lutador iniciante em um boxeador de sucesso (Contra Tudo e Contra Todos).

3. Desenvolva os coadjuvantes

Podem ser uma esposa, um amigo, um colega de profissão que acompanhará o herói e também será atingido pela história. Filhos de um detetive que são feitos de refém, um amigo de infância que vira suspeito do crime, um vínculo amoroso começa a aparecer. Todos esses coadjuvantes devem vir com uma bagagem, então, trabalhe-os com cuidado.

Esses personagens tem a função de dar vida ao protagonista, mas não roubar seu papel, lembre-se disso. Eles têm uma vida. Você não precisa mostrá-la com detalhes, e pode usar diálogos para sugerir.

Escreva um arco para os coadjuvantes. Eles não precisam ser tão bem trabalhados quanto o protagonista, mas o leitor precisa perceber que também estão mudando. Em Harry Potter, Neville vai de excluído social e alívio cômico até herói. Em A Lenda de Korra, os filhos de Aang precisam superar as relações conflituosas entre irmãos, e o pai da Asami precisa provar que é uma nova pessoa para reconquistar o amor da filha.

Olhe as funções que eles desempenham e brinque com isso. Haymitch de Jogos Vorazes é um mentor, mas não um mentor com ar de sabedoria como Gandalf ou Dumbledore. Ele é um bêbado, não é uma combinação interessante?

4. Use descrições simples mas profundas

Descrições precisam sair do genérico, precisamos de algo mais além de cor de cabelos, olhos e peso. Precisamos de algo que torne o personagem único, que as pessoas notariam ao pôr os olhos nele pela primeira vez. Que tal uma marca de nascença no pescoço? Uma voz rouca que nos diz “olha, ele fuma”.

Além disso, descrições que indicam:

  1. Quem é a personagem: Se ele é musculoso, talvez seja um militar. Se ela tem unhas sujas de terra, talvez seja jardineira. Seus dedos sempre estão machucados? Talvez seja boxeador.
  2. A personalidade: Se ela não arruma o cabelo, talvez não se importe em parecer bonita. Se ele anda com uma caneta no bolso, talvez costume tirar notas de tudo. Olha pra aliança toda vez uma pessoa bonita aparece? Talvez seja fiel.
  3. O que está pensando: Unhas roídas? Talvez ele esteja nervoso. Ela usou batom vermelho? Talvez queira ficar atraente. Passou o tempo todo de óculos escuros? Talvez esteja de luto.”

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Paulo Moreira
Escritos Fantásticos

Brazilian pharmacist in loved with History, Fantasy and Ecofiction. Author of The Blood of the Goddess. I write about nature in poems and fantasy stories.